terça-feira, 19 de outubro de 2010

Resenha de Tempo e espaço como fontes de poder Social

Por Renato Paulo Nicácio Pedrosa



Texto Original:


HARVEY, David. Tempo e espaço como fontes de poder social In HARVEY, David. A condição pos-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. ed. São Paulo: Loyola, 1993. Cap. 14 p. 207-218



RESENHA


Segundo Santos (2001) David Harvey, o autor do texto resenhado, iniciou sua carreira na Geografia Política no final da década de 1960. Foi professor de muitas e importantes universidades estadunidenses (a partir de 1957). Nos “últimos” anos concentrou seu foco de pesquisa na pós-modernidade, assim como as demais pesquisas de ponta em Geografia Política.


Nascido em 07 de dezembro de 1935 no Reino Unido, tendo o ensino e a pesquisa como principais atividades profissionais. Autor de posição ideológica de esquerda, sua análise é recheada da oposição capital-trabalho, considerada por ele natural.


Harvey (1993) inicia sua obra expondo a idéia de que o controle do espaço é uma fonte essencial de poder social. E que esta forma de poder sobre esta variável se inter-relaciona com outras delas: o tempo e o capital, também fontes de poder. Podendo ser entendidos também como componentes do poder de ordenação social. Para chegar a esta posição o advento do capitalismo trouxe em seu bojo avanços na mensuração do tempo e do espaço. No que eu acrescentaria a evolução das formas de mensuração do capital. O autor analisado segue então dando exemplos de como o domínio sobre uma das variáveis mencionadas serve como ferramenta para alcançar o domínio sobre as demais. Neste ponto ele introduz a temática da definição das regras sobre o tempo, o espaço e o capital; que no fundo expressa a divisão de classes e antagoniza interesses. Apontando que a “hegemonia” da ideologia e da política depende do contexto material e com isto do tempo e do capital.


Segue demonstrando a apropriação, pela “burguesia”, dos avanços em relação à medida do tempo, inicialmente guardadas, melhoradas ou criadas por ordens religiosas. E demonstrando que tal qual ocorreu com o tempo, medidas como o mapeamento do mundo pelas navegações criou a divisão da Terra entre os detentores do capital. Nesta perspectiva comenta fatos históricos acerca do alto valor social e econômico dos mapas gerados à época e as formas como eram protegidos e roubados. Neste contexto comenta como o dinheiro só tem sentido quanto situado no tempo e no espaço.


Insistindo na visão de oposição do capital ao trabalho, Harvey (1993) sinaliza os conflitos entre os grupos detentores de cada um destes supostamente diferenciados recursos. E comenta que tais conflitos ainda hoje estão presentes opondo administradores e trabalhadores. Em que ambos os lados situam-se em um equilíbrio delicado com avanços de ambos os lados, sendo que o proletariado geralmente o faz pela via informal e os administradores pela formal. Embora ocorram grandes protestos e tentativas violentas de se impor a disciplina, com abusos flagrantes dos detentores do capital.


Na tentativa de controle dos recursos (tempo, espaço e capital) são, como mencionados, utilizados um ou dois destes para alcançar o(s) remanescente(s). Mas o autor menciona também que este embate não se dá apenas entre as classes, mas também no interior da classe burguesa. Na qual seus elementos se engalfinham para alcançar mais destes recursos de poder utilizando estes próprios recursos como meios de ação. Para isto cita competições entre estradas de ferro no século XIX. Creio que Harvey esqueça-se, porém, de compreender ou mencionar que assim como há embates dentro da própria “classe burguesa” o há dentro da classe “proletária”. O autor aponta as contradições dos “beneficiados” pelo capitalismo, mas é míope em relação às contradições dos “explorados” por ele. Aponta os fundamentos burgueses das crises, mas ignora elementos operários destas. A não ser nos momentos em que sua atuação é organizada ou, no mínimo, consciente.


Neste tocante introduz uma sutileza que reforça meu argumento anterior: compreende que não só o domínio sobre algum recurso de poder (tempo, espaço ou capital) é um meio para dominar outro dele como também a influência sobre ele. E, em minha visão, não há ninguém que possa melhor influenciar o tempo, o capital e o espaço do que alguém que está cotidianamente envolvido com ele. E esta influência do proletário não é somente positiva, mas também faz desta “classe” tão responsável quanto a “outra” pelas mazelas sociais.


O autor acrescenta que ao domínio do espaço acompanha o domínio sobre a política local, ou seja, sobre a formulação das regras sobre todas as variáveis citadas.


Todavia, menciona Harvey (1993), o trabalhador constata a realidade de luta de classes e a partir da Primeira Internacional Comunista passa a transferir (somar) os recursos de poder entre os membros da mesma classe. Ainda que estes estivessem dispersos por setores da economia, funções, etc. Isto se deu para que ganhassem capacidade de domínio que os recursos de poder e com isto pudessem influenciar as regras o que levaria a um sucesso na conquista de novos recursos de poder. Logo o autor comenta sobre as especificidades do movimento operário em atuar em momentos, tempos e contracenar com tipos diversos de capital. Argumentando que diferentes contextos necessitam de diferentes ações e diferentes influências e domínio sobre os recursos de poder.


No entanto “constata” o fato de que durante a história do capitalismo, o domínio geral das variáveis, dos recursos de poder, estavam na mão da burguesia e isto a levou ao seu sucesso atual. Em sua explanação dá exemplos sobre a primeira guerra, a qual classifica de guerra de interesse de “burguesias nacionais” – o primeiro ponto em que este autor esboça não interpretar a realidade através da análise “monocromática” simplificadora de classes idênticas, com interesses idênticos em, no máximo, contextos diferenciados. Também cita outros fatos históricos, principalmente em relação à atuação interna dos Estados Nacionais.


Por fim Harvey (1993) corrobora a tese marxista de um materialismo histórico e do conflito entre a classe proletária e a classe burguesa. Menciona a tentativa imposição de disciplina e ordem e sua contestação, principalmente através de movimentos sociais organizados.


Conclui que os donos do capital, neste momento confundidos com o próprio, dominam os demais recursos de poder, em grande parte pelo domínio superior do espaço. Embora existam fortes “resistências” locais, mas que não lhe fazem ameaça de fato. Determina que as práticas (e regras) em relação ao tempo e ao espaço nunca são neutras, sempre são condicionadas a interesses sociais (de classe). E que de fato tempo e espaço são determinados e legitimados socialmente. Afirma que a força dinâmica do capitalismo atual tanto define quanto torna instáveis os significados e as relações entre tempo e espaço.



Eu creio que embora o capítulo resenhado tenha relevante e significativa importância para a compreensão das variáveis (tempo, espaço e capital), seu conteúdo é exageradamente parcial. Mergulhado na vertente marxista que lhe inspira sem crítica profunda.


Percebo grande contribuição do texto no sentido de que uma vez já sendo consenso que o capital reflete o espaço (o material), também mostra claramente que o capital reflete também o tempo (o intangível). E o faz de forma não quantitativa, mas sim qualitativa.


Fica faltando, no entanto, um modelo estruturado e determinante da força potencial e efetivada destas variáveis perante o contexto social e entre si.

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