segunda-feira, 30 de junho de 2025

🧬 O prólogo do Código da vida:

Um ensaio sobre a origem da vida, o sumiço do simbólico e a falha do DNA em contar tudo


Por Renato Pedrosa


“A vida requer o verbo por autoevidência lógica.”


I. Começo de conversa

Outro dia, numa dessas trocas que só a madrugada permite, alguém me explicou como funciona o código binário, esses mesmos de circuitos integrados. Simples em aparência: zeros e uns, comutadores de estado, uma base de dois símbolos que, juntos, encadeiam o mundo inteiro da computação. Mas o que me pegou não foi o binário em si. Foi o que vem depois: a explicação de que, após a compilação, o código-fonte original — aquele escrito em linguagem humana, cheio de intenção e estrutura — se perde. Torna-se praticamente irrecuperável. Porque há muitíssimas formas possíveis de se chegar aos mesmos binários.

Foi ali que uma fagulha estalou.

“Com a vida precisa ter sido assim também!”

Loucura, né? Mas me explico.


II. O DNA como binário da biologia

O DNA é frequentemente descrito como o “código da vida”. E essa metáfora não é gratuita. Ele de fato codifica instruções: quais proteínas produzir, quando, em que sequência, com quais efeitos. É uma linguagem funcional, eficiente, redundante até — como um sistema operacional bem testado. Todo DNA conhecido é composto por quatro bases: A, T, G e C. Em casos raríssimos, como em certos vírus, a uracila (U) substitui a timina — sem alterar a estrutura geral do DNA como linguagem funcional da vida. As variadas combinações dessas bases formam todas as proteínas que já existiram da mesma forma que zeros e uns formam todas as funções possíveis. Ainda mais, todas as proteínas possíveis formam todos os seres vivos conhecidos da mesma forma que todas as funções possíveis formam todos os programas de computador conhecidos.

Mas há uma questão raramente observada:

O DNA não explica a si mesmo.

Ele não contém, dentro de si, a história da sua própria emergência.

Tentar identificar a origem da vida pelo DNA é como abrir um programa já rodando e tentar adivinhar não só as linhas de código que o gerou, mas as condições necessárias para sua escrita.


Antes de haver DNA, não havia proteínas. Logo, o DNA não pode ter sido escrito por proteínas como ele passou a poder depois que existiu. Não podia haver uma linguagem baseada na produção de proteínas feitas de proteínas se essas ainda não existiam, percebe? Essa constatação é quase óbvia — e, no entanto, é ignorada como quem não quer lembrar dos próprios defeitos.

E aqui entra a analogia central:

III. O que vem antes do código?

Assim como o código compilado (binário) não revela diretamente o código-fonte original, o DNA — como executável da biologia — não revela seu próprio código de alto nível, aquele script compreensível que o gerou.

Só que, diferentemente do software, no caso da vida não há o arquivo contendo o código-fonte do universo biológico. Temos milhares de versões de executáveis, de espécies que existem ou que já existiram. Mas não temos uma única observação da produção do ser vivo mais simples possível de uma origem não biológica, do código-fonte.


IV. Então ... de onde veio a vida?

Essa é a pergunta incômoda.

Porque se concordarmos plenamente com a teoria da evolução (e eu a concordo, pois ela é um modelo sem rival a altura), ainda assim temos de reconhecer que ela não cobre a origem da vida. Ela começa a partir de alguma vida pré-existente. Ela é um modelo dinâmico de transformação do que já viveu.

Mas quem nos dá o primeiro código-fonte, ou o primeiro verbo que se faz?

Não como figura de linguagem — como construção fática.

Dizer que a vida veio “de moléculas orgânicas complexas” não resolve. É um subterfúgio para evitar a discussão. Porque ou as “moléculas orgânicas complexas” já são vida e chamá-las assim é só encontrar um sinônimo tautológico discreto para essa discussão, ou cabe a pergunta: o que gerou essas moléculas orgânicas complexas geradoras de vida e por que não as vemos com frequência por aí? Ou seja, no segundo caso é apenas a mesma pergunta sendo repetida de forma dissimulada sem nada responder e com algum maior grau de rebuscamento.

Mesmo se você entender as moléculas orgânicas complexas como RNA autocatalítico, isso é válido, porque nesse caso estamos apenas descrevendo um RNA que replica outro RNA — ou seja, vida vindo de vida, só de uma outra forma.

Se tudo o que vemos — bilhões de formas vivas — veio de uma única célula primordial, então essa célula foi, literalmente, a primeira compilação funcional da linguagem da vida.

E nada do que vemos hoje reproduz esse fenômeno. Nenhum laboratório, nenhuma simulação, nenhuma partícula colidida revelou de forma convincente a emergência total da vida a partir do não-vida, de forma espontânea, completa e replicável.

Podemos sintetizar pedaços. Podemos editar genes. Podemos até criar quase-organismos artificiais ou organismos quase-artificiais, mas todos eles descendem de pedaços já existente de organismos vivos: DNA, proteínas, tecidos.

Nenhum ser humano, até hoje, foi capaz de identificar, muito menos reproduzir o fenômeno de criação da vida a partir da não-vida. No máximo, e com muito custo, remixamos um código antigo, herdado e incompreendido.

Veja bem, já podemos ver subpartículas atômicas e quasares distantes, mas o fenômeno original que mais nos é afeito como organismos biológicos vivos não pôde ser encontrado? Visto que esse assunto aparece desde escritos humanos remotos, um deles sendo a Bíblia Sagrada Cristã e outros os variados e malsucedidos esforços de negá-la, não podemos dizer que foi por falta de interesse.


V. A conclusão inevitável

O que quer que tenha gerado a vida, ou não está mais aqui, ou está escondido fora da nossa compreensão. Isso é verdadeiramente uma constatação racional e não devocional.

Talvez a vida tenha vindo de fora, numa dessas ideias que os “astrobiólogos” tiram do bolso quando a vergonha bate. “Astrobiólogos” que por sua vez é uma palavra gerada para dar um ar científico a uma crença pseudocientífica sem nenhuma base ou evidência comprovável (ou falseável).

Ou talvez a vida seja um acidente aleatório do caos. Mas com um universo infinito ao nosso redor, seria razoável supor uma aleatoriedade real não ser observada em nenhum lugar que se olha – mesmo nos mais distantes? Só no nosso sistema solar há matéria suficiente para tornar o pálido ponto azul insignificante demais para ser a única ocorrência de um evento aleatório de tal magnitude. É algo que precisa ocorrer na zona habitável? Mas e a nossa lua que está logo aqui na mesma “zona habitável”. As evidências jogam de novo e de novo contra a hipótese da vida vinda do caos. Mas a cada indício do óbvio, desarrazoadas dúvidas são levantadas para desacreditá-las. Por fim, parece que só um planeta idêntico à Terra pode gerar a vida por meio do caso. Mas para mim essa que levantamos aqui parece ser a prova definitiva. Tudo bem. Aceitemos então a teoria da gênese da vida pelo caos e aceitemos também a singularidade do planeta Terra. Olhemos para o caos e para o planeta Terra. Em todo planeta, onde está o evento caótico e aleatório gerando vida primitiva? Simplesmente não o há por onde quer que olhemos.

Você pode seguir negando o óbvio se quiser, mas para mim ele é autoevidente o suficiente para não precisar ser mencionado. Você sabe, eu sei, você sabe que eu sei e eu sei que você sabe. A origem é daquele que É. A origem é Aquele que disse o verbo (a linguagem da vida) pela primeira vez e ela se fez.


VI. Epílogo

A pergunta continua? Continua.

“Qual é o código anterior — aquele que falava antes do DNA?”

E a resposta é tão cristalina ao ponto de só aqueles que fecham os olhos com demasiada força possam não a ver.

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