Bruno Lazzarotti Diniz Costa
Doutor em Ciência Política pela UFMG
Nesta altura dos acontecimentos, a maior parte das pessoas decidiu seu voto, pelo menos para presidente. E acredito que devem ter boas razões (as suas) para suas escolhas. Existe por aí, em várias versões, a idéia de que minhas decisões são razoáveis e pensadas, as dos outros (particularmente as dos pobres) são emocionais ou interesseiras, instáveis e manipuladas. Como mencionou o Marcos Coimbra, o curioso é que são os que vêem a si mesmos e a suas posições como resultado mais puro do cruzamento transgênico de Thomas Jefferson, Descartes e Madre Teresa de Calcutá é que vêem as posições dos outros como oriundas de uma mistura de indigência intelectual e relaxamento moral. É uma atitude confortável, porque evita que eu seja obrigado a pensar ou enunciar minhas razões e, de quebra, permite que eu me congratule por ser um dos poucos porém bons deste país de selvagens. É atrás deste tipo de Viagra que estas pessoas estão quando consomem os “supostos” jornais diários. Eu não penso assim, acho que as pessoas refletem com os meios que têm e os critérios que julgam melhores e as opções de vocês são tão boas quanto as minhas.
Dito isto, compartilho com vocês minhas opções. Neste fim de campanha, para não variar, a oposição, ou seja, a imprensa (se você acha que a conversa de que a imprensa é parcial é trololó petista, leia este artigo aqui do Marcus Figueiredo, com pilhas de evidências) impingiu sobre suas vítimas, digo espectadores e leitores, sua agenda de porta de cadeia usual. Depois, os sofisticados-de-alto-nível-cosmopolitas-que-lamentam-o-baixo-nível-de-campanha não vacilaram em recorre e tentar pautar a agenda TFP-JimJones-reverendomoon. Não fica bonito mencionar estas coisas na vernissage, mas você sabe, para barrar os bárbaros alguma licença poética é necessária. Qualquer coisa que livre a direita (neste segundo turno, a extrema direita) de debater de verdade.
Portanto, para tomar uma decisão serena, acho importante retomar os critérios centrais da escolha (pelo menos os meus; se estes não são os seus, paciência).
E, como agora parece que não se pode discutir eleições sem mostrar sólidos princípios cristãos (senão você é satanista ou matador de criancinhas, como dizem por aí),os meus são estes:
“Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. (Tiago 2:17)”
“mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras (Tiago 2:18)”
“tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. (Mateus, 25:34-40)”
Acho que um governo no Brasil deve ser avaliado sob 3 critérios básicos: reduzir significativamente a escandalosa desigualdade social e a pobreza; manter ou aprofundar a democracia e, se não der para melhorar, pelo menos não escangalhar a estabilidade econômica. Quem deu conta do recado nos 3 quesitos foi a coalizão liderada por Lula e pelo PT. E é esta a coalizão que pode ampliar estes avanços. O que eu vou mostrar é: mais democracia, menos desigualdade, menos pobreza, mais e melhores empregos, mais crescimento econômico, menos dívida pública, mais reservas internacionais e menos inflação. Os problemas brasileiros são enormes e houve vários erros de vários tipos neste governo. Mas se vamos ao fundamental (pelo menos para mim), fica muito claro onde está o compromisso democrático, a vontade política e a competência. Nada disto foi por acidente, e o governo levou muita paulada para fazer. Por isto, Dilma.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar, a democracia. Qualquer um que abra um jornal ou assista à televisão, verá que ninguém é proibido de falar mal do governo. Como disse alguém (acho que o Celso Barros), uma pessoa mais desavisada pode ficar na dúvida se falar mal do governo não é obrigatório por lei. Aliás, os casos de censura ou de impedir publicação de notícias não foram promovidos pelo governo federal, muito menos o hábito de pedir a cabeça de jornalistas não alinhados, como quem vive em Minas Gerais sabe. As eleições foram respeitadas, governos de adversários não foram perseguidos, foram criadas CPI´s aos montes (ao contrário, por exemplo, de Minas e São Paulo) e o Congresso atuou com normalidade, com gente ameaçando dar uma surra no Presidente e tudo. A indicação para o Ministério Público respeitou sempre as indicações dos procuradores (ao contrário do período FHC) e nunca tivemos um engavetador geral da República. Ou seja, a democracia foi mantida, no que concerne o governo. Se o STF tivesse que tomar Regulador Xavier seria para excesso e não escassez.
Mas, mais do que mantida, a democracia no período foi aprofundada. Não só pelas políticas de reconhecimento (quilombolas e outras comunidades tradicionais, indígenas, mulheres, GLBT, entre outros), não só por não tratar os movimentos sociais como meliantes, como pelos espaços de participação. Para não estender demais, foram feitas no Governo 67 conferências com mais de 5 milhões de pessoas, mesmo levando cacete, como no caso da Conferência de Comunicação e de Direitos Humanos. Tenho plena consciência de que é preciso ir além destes espaços, mas isto não será feito por quem foi aquém.
Do ponto de vista da transparência e do combate à corrupção, o esforço é evidente, apesar da histeria que atualmente cerca o debate: o portal da transparência, carro chefe de um conjunto de iniciativas que colocaram o Brasil, segundo a ONU, entre os oito países com maior transparência orçamentária, a disponibilização de informações e indicadores sobre praticamente todas as áreas do governo, mesmo as menos favoráveis.
Quanto ao combate à corrupção, a dotação de condições de funcionamento efetivo da CGU fez o controle público e a articulação dos órgãos de controle mudar de patamar. Desde 2003, o Governo Federal aplicou punições expulsivas a 2.599 agentes públicos do Executivo Federal por envolvimento em práticas ilícitas, no período entre janeiro de 2003 e junho de 2010. Quanto à Polícia Federal, basta perguntar se, além do caso Lunnus (depois dizem que o PT aparelhou o governo...), alguém se lembra de alguma operação de porte da PF para combater a corrupção, evasão de divisas ou lavagem de dinheiro. Se alguém acha que o aumento das punições e das operações reflete o aumento da corrupção, deve sugerir a eliminação dos aparelhos de mamografia para reduzir a incidência de câncer de mama e ver se funciona.
Do ponto de vista da desigualdade social, não vou me alongar muito, vou só colar aqui estes dois gráficos do Marcelo Néri, da FGV.
O Gini mede a desigualdade do país (1 é o máximo, zero seria a igualdade completa). Vivemos o período mais longo de queda da desigualdade de renda da história. E em um ritmo médio de queda mais intenso do que os períodos mais intensos de redução da desigualdade que os países avançados viveram. Se você não acredita, no site do IPEA (WWW.ipea.gov.br) você encontrará um texto do Sergei Soares mostrando isto para você. Você poderia dizer que a desigualdade começa a cair em 2001, ainda no período FHC. Mas eu teria que responder que até 2003, a desigualdade cai porque a renda de quase todo mundo piora e a dos mais pobres é parcialmente protegida pelo salário mínimo, ou seja, você estava distribuindo perdas. No período Lula, o que ocorre é que a renda de todo o mundo cresce e a dos mais pobres cresce muito mais, a ritmos chineses, como dizem, ou seja você estava distribuindo ganhos, não perdas. E o mais impressionante é que a renda Inclusive no ano de 2009, com a crise monumental (que ainda detona meio mundo), a desigualdade caiu no Brasil. Dê uma olhadinha aí embaixo para você ver:
Ainda é muito, muito, muito alta. Mas quem você acha que tem condições de reduzi-la mais (e será cobrado por isto)? Quem ancora na redução da desigualdade sua legitimidade ou o pessoal que até ontem chamava o maior programa de transferência de renda do mundo de “bolsa esmola” e reclamava que o programa incentiva a preguiça e a indolência?
Porque esta redução não é resultado do acaso ou apenas do crescimento econômico. 3 elementos foram fundamentais: transferência de renda, particularmente Bolsa Família, salário mínimo e mercado de trabalho.
Sobre o BF, ele respondeu por um pouco menos de 1/3 da queda da desigualdade. Sobre ele, é importante dizer algumas coisas:
• Comparado com programas semelhantes do México e Chile, ele tem uma focalização excelente (ou seja pouca gente que deveria ser atendida não está sendo e pouca gente que não deveria ser atendida recebe), a um custo bem mais baixo; portanto é mais eficiente. Se você não acredita, veja aqui.
• O Bolsa Família não estimula a vagabundagem ou a acomodação, conforme crê o pensamento da Casa Grande brasileira sobre o que ainda julga sua Senzala . Não há diferença significativa na taxa de ocupação dos beneficiários do Bolsa Família em relação aos não beneficiários nas mesmas condições. Este artigo, que analisa com evidências sólidas, conclui: “Desta forma, não se pode afirmar que o PBF é responsável por gerar dependência em relação a rendimentos desvinculados ao trabalho”. O que, aliás, não tem nada de surpreendente: você deixaria de trabalhar porque ganha 100 reais? Mas na Casa Grande o pessoal acredita que os pobres têm este desvio de caráter para o vício e a indolência, ao contrário dos bem nascidos, não é?
• Segundo avaliação patrocinada pelo Banco Mundial (como se sabe, este braço infiltrado do petismo internacional, solerte e insidioso), o Bolsa Família aumenta a matrícula das crianças beneficiárias em 4,4 pontos percentuais, comparadas às não beneficiárias; aumenta a progressão escolar em 6,0 pontos percentuais ; está contribuindo para reduzir as variações regionais relacionadas ao percurso escolar dos alunos de famílias mais vulneráveis; tem efeitos importantes na manutenção das crianças de 15 anos ou mais na escola; a chance de uma menina de 15 anos continuar freqüentando a escola é 19 pontos percentuais maior se a família dela participar do Bolsa Família
• Segundo a mesma avaliação, as mulheres grávidas das famílias do PBF tiveram 1,5 mais visitas de pré-natal que mulheres grávidas de famílias não-beneficiárias; o estado nutricional das crianças em idade pré-escolar (0 a 6 anos) residentes em domicílios beneficiários do Bolsa Família melhorou entre 2005 e 2009 em relação aos padrões internacionais, considerando sua altura e peso; a participação no Programa Bolsa Família aumentou em 15 pontos percentuais a probabilidade de uma criança receber todas as seis vacinas necessárias até os 6 meses de idade (ou seja, o perigo vermelho está envolvidos na compra da consciência futura dos recém nascidos; este pessoal pensa longe...).
• Não mais que 20% das intenções de voto de Dilma Roussef, segundo Marcos Coimbra, do Vox Populi, provêm de domicílios beneficiados pelo BF. Ou seja, não é um mecanismo de compra de votos, como circula por aí. Em resumo, é um programa bem implementado, com efeitos importantes sobre a desigualdade de renda, sobre a escolarização, sobre a desnutrição e a saúde, principalmente das crianças.
Quanto ao Salário Mínimo, a política de recuperação recente subiu o piso de remuneração e contribuiu para reduzir as distâncias enormes no mercado de trabalho. O acordo feito com as centrais sindicais, que prevê um aumento que preserve o valor e incorpore o crescimento do PIB per capita no ano anterior. Isto permitiu, ao longo dos dois mandatos do Presidente, uma valorização real (já descontada a inflação), de 54%, sem aumentar a inflação do período, nem avacalhar as contas da previdência, já que isto se fez com aumento dos empregos formais.
E o trabalho e o emprego? O governo não estimulou a vagabundagem, mas estimulou o trabalho? É só olhar estes dois gráficos:
Durante o Governo de Fernando Henrique, o saldo de empregos criados não passou de 5 milhões em oito anos. No governo Lula, chegaremos fácil aos 15 milhões. Vou repetir, porque o Indio da Costa pode não ter entendido: FHC: 5 milhões; Lula 14 milhões. É até constrangedor. Fica mais bonito na figura, olha só:
Isto não é obra do acaso, mas de um esforço enorme de combinar políticas sociais eficientes, intervenção no mercado de trabalho, democratização do crédito e do consumo e investimento em áreas intensivas em trabalho, como construção civil. E agüentando cacete da imprensa e da oposição, o que é quase uma redundância, nas circunstâncias. Ou seja, depende de colocar o combate à desigualdade e à pobreza no centro da intervenção pública. Em que governo tucano isto foi feito? Eu mesmo respondo: nenhum. Nem os dois do FHC e nenhum governo estadual. Houve e há políticas e programas bem sucedidos nos governos tucanos em várias áreas, mas estamos falando aqui de coisa diferente: qual o centro do esforço de governo? Quanto esforço foi feito? Neste quesito, sinto muito, não dá para comparar.
O resultado é este horror aí embaixo:
A redução mais impressionante da pobreza na história do Brasil. Mais impressionante ainda porque, no auge da crise econômica, em 2009, mais de 1 milhão de pessoas deixaram a pobreza no Brasil. Como diz o Celso Barros: “Rodrigo Maia e Sérgio Guerra, escrevam isto cem vezes para aprender”.
Pois bem, mas isto poderia ter sido feito avacalhando a economia. Vamos ver. Claro que no item crescimento econômico não resta dúvidas sobre quem fez mais:
Precisa dizer mais alguma coisa? Isto enfrentando a maior crise econômica desde 1929 e o mundo todo na maior pitimba! E ainda tem gênio por aí para dizer que foi sorte. Então olhe só:
Ah, pois é, fez isto, né, mas avacalhou as contas públicas, farra fiscal, coisa e tal. Pois veja aí embaixo:
Veja bem: os tucanos entregaram o país com uma dívida pública líquida de 60% do PIB, com privatização e tudo. É a responsabilidade fiscal do Governo Lula que vem baixando a dívida. Depois do susto causado pelos gastos necessários ao combate à crise de 2009, já retomamos a trajetória de queda e Lula entregará o governo com uma dívida de 41%. Faça as contas e veja quem tem responsabilidade fiscal.
De dívida externa, não vou nem falar, para não cansar vocês, mas olhe aí as reservas internacionais:
Mas e a inflação! A inflação! adivinhe quem manteve a inflação mais baixa? Acertou quem disse o sapo barbudo. Entre 99 e 2002, a média de inflação foi 7,78; entre 2003 e 2009, a média foi 5,78. Portanto.
Em resumo, mais democracia, menos desigualdade, menos pobreza, mais e melhores empregos, mais crescimento econômico, menos dívida pública, mais reservas internacionais e menos inflação. Os problemas brasileiros são enormes e houve vários erros de vários tipos neste governo. Mas se vamos ao fundamental (pelo menos para mim), fica muito claro onde está o compromisso democrático, a vontade política e a competência. Nada disto foi por acidente, e o governo levou muita paulada para fazer. Por isto, Dilma.
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