Por Renato Paulo Nicácio Pedrosa
Conheça a Agenda de Melhorias em: http://www.agendademelhorias.org.br
1. INTRODUÇÃO
A Agenda de Melhorias é uma iniciativa do Governo de Minas Gerais para a modernização do setor público. Seu paradigma é válido, pois apresenta uma série de “novidades” para o governo que são realmente capazes de dar-lhe mais eficiência e eficácia. No entanto longe de ser uma iniciativa gerencialista do século XXI alinhada com que pode ser visto em locais como Reino Unido e Nova Zelândia, aproxima-se mais à alta burocracia que foi vista na reconstrução da Alemanha pós Primeira Guerra Mundial no século XX. Centralizada, técnica, voltada para resultados e, até o ponto que não se discutem seus objetivos e seus resultados indiretos ou de longo prazo, bem sucedida. Até mesmo o culto ao líder que fora observada neste momento histórico pode ser visto de maneira mais sutil e revisada agora. Financiado com dinheiro público, quase todos os relatórios da Agenda de Melhorias fazem culto ao seu líder, como pode ser visto em seguida:
Essa ousada criação somente se viabilizou pela atitude republicana e pelo espírito empreendedor de dois Governadores do Estado de Minas Gerais, Aécio Neves e Antonio Anastasia, lideranças mineiras e nacionais, que desenvolveram e consolidaram um ambiente inovador no qual prevalecem a governança, a responsabilidade e o rigor técnico e ético. (AGENDA DE MELHORIAS, 20--a, p.2), (AGENDA DE MELHORIAS, 20--b, p.2), (AGENDA DE MELHORIAS, 20--c, p.2), (AGENDA DE MELHORIAS, 20--d, p.2).
Não se deve julgar a isenção “técnica” de um documento pelos seus resultados, sob o risco de se aceitarem apenas os resultados que agradam. Todavia há de se desconfiar de uma iniciativa pouco institucionalizada, altamente dependente da contínua afirmação governamental para continuar existindo. Ainda mais quando esta continuamente reforça o culto ao líder/padrinho. Por isto seus relatórios devem ser vistos como documentos políticos, ou, no mínimo, documentos técnico-políticos.
Os documentos da Agenda de Melhorias mencionam inovação a todo o momento. Porém inovação de valor, como compreendida por Kim e Mauborgne (2005) em que inovação significa levar algo no limite de um modelo a outro modelo inédito e melhor, inexiste nas proposições da Agenda de Melhorias. Nada proposto é de fato inédito, já foi feito e já existe em lugares mais desenvolvidos do mundo. Inovação neste contexto só pode ser compreendida como adaptação de melhores práticas que já existem no mundo. Toda a preocupação com o bechmark confirma isto. Deve-se entender que ainda assim não se perde o caráter essencial da iniciativa, que, se não é gerar um Estado genuinamente inovador, é tirá-lo da reatividade e lançá-lo na “proatividade”, na fronteira do que existe de melhor, fazendo-lhe responder ao cidadão da melhor forma conhecida. Com isto é uma iniciativa de grande valor.
2. PESSOAS
No esquema-símbolo da Agenda de Melhorias, pessoas aparecem como núcleo, o triangulo central na formação de outro triangulo maior que é uma explícita alusão à bandeira de Minas Gerais. A grande importância inferida do desenho, contudo, não se explicita no restante dos relatórios apresentados. Estes deixam claro o que já foi feito: Empreendedores Públicos (EP), Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), Programa de Desenvolvimento de Gestores Públicos (PDG), entre outras medidas; como um todo aprimorável, mas suficiente.
Os Empreendedores Públicos (EP) são pessoas de fora de determinada estrutura do Estado que são selecionados para arejar a Administração Pública. Seu objetivo é “dar suporte ao programa Estado para Resultados (EpR), e na implementação do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI)” (AGENDA DE MELHORIAS, 20--a, p.7).
Os EPPGG são executivos de Estado. Possuem conhecimentos jurídico-legais, econômicos, capacitação em Administração Pública (condução do Estado) e Políticas Públicas, algum conhecimento de Administração (compreensão e gestão de organizações), de política e reflexão filosófico-sociológica. Seu objetivo é ser uma mão-de-obra apta “a atuar no processo de modernização do Estado.” (AGENDA DE MELHORIAS, 20--c, p.7).
O PDG é um programa de capacitação para cargos gerenciais que possibilita a “Ampliação da Profissionalização dos Gestores Públicos” (AGENDA DE MELHORIAS, 20--d, p.8).
Com a visão “aprimorável, mas suficiente” evidencia-se que pessoas não são de fato parte do núcleo da estratégia da Agenda de Melhorias, não obstante são insumos indispensáveis. Fica clara a ausência da preocupação quase obsessiva com pessoas que pode ser encontrada em outros governos tal qual o Britânico. O que é um erro gravíssimo, pois se entende pessoas como uma commodity substituível e as analisa apenas através de estruturas simplórias de incentivos, ignorando os avanços de Maslow e Herzberg, entre outros, em relação à motivação e à produtividade.
Deveria se compreender que iniciativas como EP, EPPGG e PDG são essenciais e excelentes práticas para serem adotadas e copiadas por todo o Brasil. Só que, como propostas para o futuro, estas estão esgotadas. O simples aprimoramento incremental destes mesmos instrumentos não irá levar o Estado à direção certa no ritmo adequado. Sem pessoas motivadas: sem maiores retribuições (algumas vezes não financeiras), sem “empoderamento” (enriquecimento das tarefas e uma autonomia muito maior) e sem uma avaliação eficaz de “resultados” (através de mecanismos de quase mercados e clientes-fornecedores internos e externos) que funcionem não se melhorará o Estado muito além do que já foi feito.
3. ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL
O relatório da Agencia de Melhorias (20--c) sobre os EPPGG começa descrevendo sobre o que se trata a profissão, sua história, o que são a Escola de Governo e a Fundação João Pinheiro. Descreve também as relações entre o Estado, a escola e os profissionais/alunos; bem como, superficialmente, problemas relacionados à avaliação do investimento e seu retorno.
Em seguida o relatório citado discute a seleção e o ingresso. Mas o faz de maneira equivocada, comparando o CSAP (Curso Superior em Administração Pública) com alguns dos cursos mais concorridos da UFMG como se todos os alunos escolhessem o curso por sua qualidade e jamais pela simples oportunidade de ingressar no Estado ou de receber enquanto fazem algum estudo, algo potencialmente equivocado. Prossegue compreendendo a desmotivação e evasão do curso como “excesso de expectativas” dos alunos ao invés de falta de incentivos adequados e custos altos e assimétricos de participação. O CSAP deveria mesmo ser permeado por pessoas de todas as classes, mas é um equívoco supor que as das classes mais baixas são menos ambiciosas ao dizer “mais humildes” – como sugere o relatório.
Outro equívoco é da escola. O CSAP sabota qualquer iniciativa dos alunos de obter outras graduações (relacionadas com Administração Pública ou não) e novos conhecimentos supostamente não relacionados com Gestão Pública. Isto é apenas citado pelo relatório. Deveriam compreender que são as demais graduações e conhecimentos que arejam o curso, um curso que é demasiadamente auto-alinhado com a vontade do governo (como um todo ou em suas partes).
Outra inversão comum e que é endossada pelo relatório é em relação concurso-curso-bolsa. No texto citado chega-se a se dizer que a bolsa descaracteriza o curso. Também compreende que se faz o curso com a vantagem de se ter ao seu término um emprego. Quando na verdade se faz um concurso para entrar nos quadros do Estado como Administrador Público, cujo custo/requisito-obrigatório é cursar o CSAP (independente da vontade do participante) e a “indenização” pelo tempo despendido obrigatoriamente é a bolsa. Não se comenta ainda que em regra nos demais concursos a bolsa durante o tempo de treinamento é de 50% do vencimento, o que no CSAP significaria mais do que a bolsa atualmente ofertada. Acredito que o fato da bolsa ser tão baixa é que seleciona adversamente pessoas com baixa experiência profissional, baixa idade e de famílias abastadas. Porque ninguém poderia sustentar uma família com rendimentos tão baixos ao mesmo tempo que arca com as despesas inerentes ao curso (locomoção, “xerox”, computador com internet para a comunicação da escola, etc).
O relatório também revela a falta de prática durante o curso. Para solucionar isto aponta um estágio obrigatório antecipado. A solução real seria muito mais simples, alocar as aulas em horários adequados ao trabalho, fomentando-o ao invés de, como é atualmente feito, combatendo-o. Isto se complementaria não se evitando mais estágios em ONGs e em empresas privadas.
Um dos pontos mais lúcidos do documento da Agenda de Melhorias é destacar a falta de capacitação gerencial dos EPPGG, de fato faltam-lhes várias ciências e técnicas gerenciais para o dia-a-dia. No entanto, por outro lado, é a compreensão exaustiva que possuem de políticas públicas que os tornam alguma coisa diferenciada dos outros cursos de administração existentes. Uma alternativa seria ofertar disciplinas opcionais, aumentando a heterogeneidade dos egressos, como o relatório aponta em suas conclusões.
O relatório discute ainda a questão dos docentes. Vê como um problema vínculos precários e como deficitária a diversidade necessária ao curso (professores pesquisadores, atuantes no setor público e atuantes no setor privado). A discussão sobre este corpo é válida, porém passa ao largo da questão principal: a completa falta de mecanismos de controle dos professores. Em escolas superiores particulares o financiamento via estudantes garante o alinhamento desta com os interesses educacionais de seus alunos, bem como evita abusos. Em escolas superiores públicas o aluno é o fim da política pública. Isto mais a independência financeira dos alunos e seus órgãos representantes (em relação à instituição) somados a um grande ativismo político alinha de forma mais frágil, porém efetiva, esta escola com os interesses dos alunos. Todavia o caráter da Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho é de um terceiro tipo hibrido. Ela é uma escola corporativa pública em que os alunos são vistos como meio e não fim de políticas públicas, sem órgãos representativos fortes ou independentes, com altíssimos custos de desligamento e incentivos não acadêmicos para permanência. Isto causa terríveis distorções que deveriam ser mais bem investigadas como, por exemplo, em relação às expectativas e em relação a possíveis medidas arbitrárias.
Sobre a alocação, a Agencia de Melhorias (20--c), comenta a grande possibilidade de inserção dos EPPGG, que atualmente podem ir para praticamente qualquer parte do executivo. Apresenta o estágio supervisionado como principal definidor da alocação final, porém aponta problemas na combinação de competências e necessidades dos cargos no Estado. O relatório menciona a melhora do status dos EPPGG em relação à percepção de colegas de outras carreiras.
O texto também toca num ponto muito sensível que é a total falta de transparência no processo de alocação: “A grande demanda por EPPGGs e a pequena oferta deles tornam o processo de alocação uma ‘incógnita’ [...] Gestores entrevistados acreditam que o processo deveria ser mais transparente, público.” (Agencia de Melhorias, 20--c, p.40). Mais do que isto a alocação-incógnita tira a isenção do concurso. Não há nenhum mecanismo de incentivos ou controles que impeçam o uso nepótico dos alunos, ou seja, uma vez que os alunos entram no CSAP, que compõe fase de concurso, não há sistemas burocráticos nem gerenciais capazes de organizar as etapas seqüentes; as alocações poderiam ser completamente clientelistas e corporativistas. A concessão de estágios é obscura tal qual a alocação final, as notas do CSAP, que repetindo: é etapa de concurso, não são levadas em conta até o ponto em que se sabe, e muitas das vagas disponibilizadas já vêm com os nomes pré-escolhidos, sem chance alguma de concorrência. Só resta aos participantes terem fé, como sempre temos, na ética pessoal dos envolvidos. Por isto, este tema deveria ser urgentemente analisado e corrigido por todos os que atuam nele.
A Agencia de Melhorias (20--c) destaca que a carreira de EPPGG tem problemas com sua remuneração e com seu desenvolvimento. A nova lei que vale desde janeiro de 2011 foi bem intencionada, mas não logrou em dispor a carreira da dinâmica necessária. O documento mostra também que existe no estado remuneração variável condicionada a resultados que quando funciona adequadamente é uma excelente prática.
Prosseguindo na discussão dos salários o texto passa longe de uma importante discussão: os mecanismos de incentivo individuais. Há uma evidente relação entre os baixos salários, permanência na carreira e castigos pelo abandono. Aplicando multas altíssimas o Estado consegue manter boa parte de seus EPPGG mesmo com baixos salários, mas não se pensa nas distorções que este sistema pode causar, tais quais: seleção adversa (acumulo de servidores do tipo conservador e daqueles que possuem outras fontes de renda, e fuga do tipo mais ambicioso); e profundos impactos sobre fatores motivacionais e de produtividade.
Depois de todas estas discussões, o relatório faz algumas proposições. Pelos motivos acima expostos; concorda-se com as proposições de:
a) maior divulgação do concurso – informando assim a todos desta oportunidade –;
b) entrevista de alinhamento de expectativas – para que, através do diálogo, os interesses do Estado e dos servidores sejam os mais complementares possíveis –;
c) prêmios para proposições inovadoras no governo através de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) – incentivando a agregação de tecnologia à ação governamental –;
d) uma unidade de supervisionamento dos EPPGG dentro da SEPLAG – permitindo assim o acompanhamento desta carreira estratégica –;
e) um momento de formação após o estágio probatório – permitindo uma maior qualificação técnica e diferenciação entre os EPPGG –;
f) uma maior produção de informações sobre a carreira – subsidiando assim a gestão da carreira;
g) a reformulação da estrutura remuneratória – para aumentar os incentivos e combater a evasão –;
h) e o plano de saída para proteger o funcionamento do Estado – mas não da forma como proposta que adiciona custos ao servidor já inserido em uma estrutura de incentivos perversa.
Discorda-se:
a) de atrelamento da bolsa atual ao desempenho – uma boa idéia seria inserir um prêmio adicional pelos bons desempenhos, adequando a retribuição do período de treinamento dos EPPGG com o que é praticado em outros concursos –;
b) da pré-definição dos temas de conclusão de curso – o que impede a expressão das vocações dos alunos.
A Agenda de Melhorias (20--c) sugere ainda o prolongamento do período de permanência obrigatória dos EPPGG. Isto representa um aumento das amarras que causam todo o tipo de disfunção nos mecanismos de incentivo, como foi supra-analisado. O mais adequado seria realinhar os mecanismos de incentivo (custos e benefícios) aumentando os benefícios (salários e aqueles não financeiros) de forma que superem os custos e retenham os profissionais através de suas preferências individuais.
Neste sentido a regra atual de que os EPPGG devem ficar no Estado para não serem castigados é também equivocada. Um realinhamento dos incentivos seria um melhor remédio. Aqui poderia se levantar ainda que existindo o Estágio obrigatório no Estado por 1 ano dentro do “curso-etapa-obrigatória-do-concurso” e sendo o aluno obrigado a ser bem avaliado para concluir o curso e tomar posse, este mecanismo incorpora o espírito do estágio probatório. Desta forma, para que se atenda melhor ao espírito do estágio probatório imposto pelo legislador, este primeiro ano deveria ser contado como parte integrante do estágio probatório, reduzindo o tempo deste depois de finalizado o curso de 3 para 2 anos, acelerando assim a evolução dos EPPGG e acrescentando incentivos para sua permanência no Estado.
Outro ponto a se combater presente no relatório é a constante idéia-fundamento de que a educação no CSAP é um favor do Estado. Não o é. É importante destacar que educação é um anseio social e uma obrigação constitucional. Ou seja, nunca deveria ser encarada como um meio, pois é um fim, uma das razões pela qual a sociedade tolera o Estado. Logo o aluno que se educa, mas não permanece trabalhando para o Estado, não poderia ser punido analisando-se também pelo lado moral.
Por fim entende-se que a Agenda de Melhorias é uma iniciativa bem intencionada para a melhoria do serviço público. Há nela pontos positivos e outros contestáveis. Cabe à boa política definir quais são os tipos de cada uma das proposições e aplicar o que se puder extrair de melhor para o Estado. Nunca devemos nos dar por satisfeitos com aquilo que já foi feito. Devemos prosseguir em uma eterna ambição por dias melhores para todos os cidadãos. É neste caminho que vai o Estado em Minas Gerais e para isto que são formados os EPPGG, para continuarmos avançando.
REFERÊNCIAS
AGENDA DE MELHORIAS. Empreendedor Público. 20--a. 56 p. Disponível em: <http://www.agendademelhorias.org.br/uploads/documentos/registro_empreendedor_publico_ep_apresentacao.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.
AGENDA DE MELHORIAS. Relatório Benchmark para as Iniciativas EP, EPPGG e PDG Minas. 20--b. 36p. Disponível em: <http://www.agendademelhorias.org.br/uploads/documentos/benchmark_pessoas.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.
AGENDA DE MELHORIAS. Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. 20--c. 75p. Disponível em: <http://www.agendademelhorias.org.br/uploads/documentos/registro_eppgg.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.
AGENDA DE MELHORIAS. Programa de Desenvolvimento Gerencial. 20--d. 73p. Disponível em: <http://www.agendademelhorias.org.br/uploads/documentos/pdg_minas.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.
KIM, W. Chan; MAUBORGNE, Renée. A estratégia do oceano azul: como cirar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. 20. ed. Rio de Janeiro: Campus, Elsevier, 2005. 241 p.
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