Por Renato Paulo Nicácio Pedrosa
Mais e mais o Brasil tem se tornado o país das raças. Embora seja provado cientificamente que essa tal coisa não existe, por força da lei, do imenso cartório medieval que infelizmente molda, limita e amordaça este belo país, ela passa quase a existir. Tal qual a roupa invisível do rei que ninguém ousa questionar.
Mas o problema não está aí. O problema é que o discurso é que fazendo isso todas as pessoas podem se encontrar e ter seus direitos preservados. Negros e índios compensados nas novas gerações por supostas violências históricas contra as anteriores. O motivo que move, para além de complicar, cartorizar, corromper, corporativizar e adestrar a sociedade, é, supostamente, devolver a ela, entregá-la sua origem, sua gênese. Para que o negro seja negro com toda a sua personalidade, com o espírito com a identificação desta nação-raça que os definiria, limitaria e ditaria seus direitos e obrigações.
Seria bom se fosse verdade. Mas ao criar subcidadanias eu me sinto perdendo a minha. Não me sinto parte de nenhum povo-raça. Sou do povo em que vivo. Sou pardo, negro, branco, indígena. Os índios não foram exterminados, eles foram assimilados por um novo povo, o povo brasileiro, que não é o povo português. Nas minhas veias corre o sangue negro (de escravos e reis africanos escravizadores), de portugueses heroicos navegantes, de tupis senhores da natureza, da liberdade sexual e afetiva, de holandeses comerciantes intrépidos e astutos, de ingleses práticos industriais – liberais na economia, de espanhóis cavaleiros corajosos e destemidos, de italianos (modernos apaixonados lavradores e antigos romanos altivos construtores de civilizações). Eu sou, ou me sinto enquanto a insistência que me desmonta permitir, mestiço. Minha alma e o meu corpo não são estrela, mas são sim uma constelação de povos que brilha numa cidadania ampliada.
Me roubam a minha linhagem e eu nada posso fazer. Vou perdendo aos poucos a minha cidadania diante de um formulário frio que exige que eu seja um quando eu sou vários, quando eu sou todos.
O que fazer quando sou etnia nova? Descendente várias. Meu corpo é de várias cores e não uma só. Minha família, mesmo a próxima e imediata, é heterogênea e vamos de todos os timbres e tons e possuímos todas as possibilidades de saturação de melanina.
Socorro?! O que eu faço? Não cabo no formulário! E ele se esvai, mas leva junto a minha cidadania, a minha nacionalidade... o meu direito à felicidade, de ser quem eu sou, inclassificável, Mestiço com M maiúsculo. Sou exilado na terra onde nasci, perdido onde moro, sufocado por ser diferente ao me sentir igual, por me sentir igual e por ser igual.
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