Iridium – Ortha Kalleph
Os colonos chegaram em Iridium no sistema estelar de Ortha Kalleph (7,2,4) sendo trazidos aos milhões, 10 unidades populacionais ou 100 milhões de pessoas para ser mais exato.
A estratégia de colonização era conhecida e repetia os padrões estabelecidos com o descobrimento de Alta em Alpha Larpa Dolore (4,1,8). Os pioneiros chegavam para trabalhar a terra trazendo consigo sonhos e muita vontade de trabalhar.
Logo o império estabelecia fazendas vastas onde todos podiam produzir em suas glebas de terras individuais. A riqueza produzida ali alimentava todo o Império Nox e em troca os colonos tinham acesso a bens de consumo industriais e serviços produzidos a vários parsecs de distância. Tudo isso transportado pela Frotilha Comercial Interplanetária (FCI).
Mas embora as táticas possam ser parecidas, os planetas nunca eram. Diferentemente de Alta em que bastou procurar um pouco mais para encontrar vida complexa domesticável em abundância, neste planeta só havia bactérias e algas. Elas eram tão primitivas que as ver era como olhar para o passado biológico das outras colônias.
Para construir as fazendas vários animais e plantas foram trazidos de Dax Prime e de Alta. A vida de Alta se adaptou muito rapidamente na maior parte dos biomas de Iridium experimentados. Já a vida natural daxiana se adaptou melhor ao entorno dos vulcões e gêiseres. Em elevadíssimos planaltos, vulcões ativos proviam calor intenso que criava verdadeiras zonas temperadas de onde rios caudalosos seguiam cortando os desertos congelados mais abaixo espalhando a vida gerada em poças de enxofre.
A adaptação em Iridium foi quase instantânea com os protocolos criados em Alta. Mas algo ainda intrigava os colonos.
Quando a EV Intrépida encontrou o planeta descrito pelos v’geans, um tipo não classificável de vida foi encontrado. Seus espécimes eram claramente diferentes das outras espécies, como se tivessem evoluído de forma totalmente segregada. Microscópicos, eles só poderiam ser detectados com ferramentas especiais ou sentidos como emoções incorpóreas.
Sejam o que fossem se aproximavam dos daxianos vindos da nave com o sentimento de curiosidade sempre que esses estavam em áreas abertas. Mas pouco era possível estudá-los, pois, sempre que qualquer equipamento científico era apontado para eles, fugiam assustados em incompreensível velocidade.
Na altura em que os colonos chegaram, nada mais relacionado foi relatado. Mesmo quando o planeta foi escaneado ativamente com ajuda das naves em órbita, nada foi encontrado. Sejam o que fossem haviam deixado o planeta ou se escondido de alguma maneira misteriosa.
O planeta em si suscitava um grande suspense. Sua superfície congelada escondia um núcleo quente e pulsante. Por seu manto mares de magma revolviam-se intensamente irrompendo a crosta em eventos de enorme violência e beleza.
Longe do equador o balanço de forças entre a superfície gelada e o interior ardente era vantajoso para o frio e logo a erupção cessava e o calor era aprisionado novamente nas profundezas.
Contudo, próximo ao equador o magma tinha a brilhante e super gigante estrela laranja como aliada. Uma vez atravessada a superfície, o calor emanando das entranhas do planeta não recuava jamais, estabilizando-se depois de alguns anos. Nestes locais, oásis quentes se formavam. Era dali também que surgia a água líquida fervente que em grandes volumes corria até o mar chegando nele a temperaturas próximas do congelamento.
Complementando o espetáculo que era o planeta Iridium, havia a Aurora que envolvia todo o planeta, mesmo as áreas equatoriais com menor intensidade. Esse fenômeno era resultado de um campo magnético intenso e bastante dinâmico cujos polos deslocavam-se ¾ da superfície do planeta todos os dias de forma pouco previsível.
Por fim, cabe mencionar as Linhas de Nazca sempre presentes. Todos os dias elas reapareciam de maneira diferente, não importa o quanto os colonos trabalhassem a terra fazendo-as desaparecerem. Mesmo quando ninguém as tocava, as formas se transformavam. Mas ninguém conseguia ver elas mudando.
***
Iridium – Ortha Kalleph (7,2,4; 1; C-10) – EV Intrépida
Luiza tinha 13 anos. Nada a agradaria mais do que estar perto do equador. Ela tinha sonhos irrealistas de uma temperatura agradável. Detestava sentir frio. Mas tudo o que seu pai pôde comprar foi um enorme rancho na zona temperada onde os rios já chegavam gelados.
Sua família era dona de centenas de cabeças de mamutes sem pelos, uma das variedades trazidas de Alta, que davam considerável trabalho para criar e ordenhar. Eram especializados na produção de leite e queijos.
Luiza também era uma empata poderosa e uma telepata espontânea. Mas este dom era mais um estorvo do que uma capacidade útil. Tirando o fato de poder caminhar livremente e sem medo entre mamutes que a seguiam como se ela fosse algum tipo de pastora, o resto não era tão divertido. Ela poderia realmente sentir os sentimentos dos outros, mas de uma forma tão intensa que era incapaz de discernir se o que sentia era de outra pessoa ou dela mesma.
E havia aquela terrível sensação de estar sempre sendo observada. Mas não adiantava nada que fizesse, nunca descobria o que é que a poderia estar observando. Ela já havia tentando de tudo. Havia contado aos adultos que não acreditavam nela dizendo que era só uma sensação normal da adolescência e que todos os daxianos sentiam aquilo. Já havia sintonizado os sensores de presença em suas formas mais sensíveis sem detectar nada além dela, dos mamutes e de seus pais por centenas de quilômetros.
***
Aquele dia Luiza estava entediada. Sua mãe havia ido à vila mais próxima comprar alguns mantimentos e insumos, demoraria algumas horas para retornar. Seu pai estava testando os reparos manuais que havia feito em seu Caça de Combate estando a milhares de quilômetros do planeta naquele exato instante. Para distrair-se a menina vagueou por toda fazenda explorando cada centímetro dela, investigando em baixo de cada pedra, seguindo por cada linha que encontrou. Ela caminhou, caminhou e caminhou até estar exausta e além limites da vasta propriedade. Estava muito bem protegida por roupas com camadas sintéticas grossas capazes de resistir a frios intensos. Só podia ver a sua casa como um pontinho muito distante no horizonte. Foi então que ela alcançou a última árvore existente por ali. Todas as árvores eram alienígenas e aquela tinha vindo das partes mais geladas de Dax Prime. Era uma árvore magnífica. Enorme, com um tronco tão resistente e raízes tão profundas que poderia jurar que havia nascido ali. Perdeu-se em seus pensamentos imaginando a aventura pela qual a planta teria passado até chegar ali.
Foi então que notou que seu braço esquerdo vibrava intensamente como ela nunca havia visto. Ele também piscava e fazia um barulho terrível. Ela se assustou. Puxou algumas de suas mangas e revelou seu computador pessoal.
Era um alerta perigo. Uma tremenda nevasca a alcançava com ventos tão velozes que poderiam iniciar um ciclone a qualquer momento. Um vento frio a tomou pelas costas e fez toda sua espinha arrepiar-se.
Ela tentou correr para sua casa, mas não podia mais identificar onde estava. Ao seu redor tudo estava branco. Flocos de neve incessantes interferiam com o seu computador tornando-o imprestável. Tudo que ela poderia reconhecer era aquele tronco marrom. Correu de volta para ele e se abrigou o melhor que pôde.
Estava tão frio e ela estava tão cansada. Suas pálpebras estavam pesadas e ela não pôde evitar de cair em um sono profundo ali mesmo sobre a neve tão macia e seu travesseiro de folhas.
***
Luiza teve sonhos estranhos. Sonhou estar voando pela aurora boreal com asas metálicas e sem sentir nenhum frio. Ela se sentia como se estivesse no colo da sua própria mãe. Ela sentia amor, carinho e cuidado.
Planou um tempo até ver a sua casa de longe. Ela estava totalmente coberta de neve. “Centro Denso da Galáxia! Eu estou sob a nevasca! Eu vou morrer! Isso é um delírio!”
Ela acordou desesperada. Olhou para cima e viu a copa da árvore coberta de neve. A nevasca havia perdido intensidade.
Ela deveria estar congelada. Mas ela... estava... aquecida. Olhou sob si e percebeu um cobertor metálico que a esquentava. Mas o que era aquilo? Nunca tinha visto nada assim na vida.
Luiza se levantou assustada, mas o cobertor não caiu como tecido. Ele escorreu como mercúrio líquido.
Ela sentiu muito medo. Mas não sabia se vinha de si ou daquilo.
O líquido se reuniu e se tornou algo que lembrava uma bola de airball. Saiu rolando colina abaixo em alta velocidade se afastando cada vez mais da menina.
As pernas da garota responderam quase que instantaneamente. Ela tinha curiosidade. Correu atrás daquela esfera prateada que era incapaz de ocultar-se brilhando sob o sol que havia reaparecido.
Moveram-se muito até chegarem ao rio. Com o momento alcançado, a bola saltou no ar e abaulou-se até ganhar um formato de Vitórea Régea deslocando-se lentamente pelo rio seguindo sua correnteza.
Luiza havia chegado também à margem. Tirou a bota e encostou um dos dedos do pé na água. Estava absolutamente gelada. Não tinha como continuar a perseguição.
A menina sentiu triunfo vindo daquela massa flutuante a se deslocar e sentiu-se indignadamente desafiada. Ela pôs sua bota de volta e seguiu o curso do rio. Ela foi para cada vez mais longe até que encontrou umas rochas transversais ao caminho das águas. Ela precipitou-se até elas e as saltou com muita agilidade. Sentiu um susto. O objeto vinha direto para as suas mãos. Ele se agitou e mudou a rota até a margem oposta. Luiza o seguiu. Ele novamente tornou-se uma esfera e rolou em direção a uma caverna. Dessa vez rolava por um aclive e não podia ir tão rápido. Luiza quase o alcançou.
A gruta estava escura, mas de alguma forma ela sabia por onde a criatura ia, não importa que não poderia vê-la. Ela a sentia.
Sentia medo, preocupação, angústia, mas sentia-se animada, curiosa e expansiva. Sentia duas coisas ao mesmo tempo. O que será que sentia de fato? Ela não sabia.
Ela desceu cuidadosa pelas pedras escorregadias da gruta. Ela sentia algo. Estavam conversando? Ela ouviu sons que não compreendia na sua cabeça. Haviam muitos ali. Um deles sentia medo e arrependimento. Outros sentiam dúvida. Ela se aproximava.
Agora não havia muitos havia um só. E era muito inteligente. Ele sentia-se seguro de si e outros sentimentos que ela nunca havia sentido. Mas agora ela sentia medo.
Ela tentou fugir. Mas não conseguiu. Escorregou ao tentar subir para a entrada da gruta e voltou deslizando à base. Ele se aproximava. Ela estava em pânico.
“Acalme-se. Se nós quiséssemos fazer mal a vocês, vocês teriam morrido sem saber o que os atingiu.”. Luiza ouvia em sua cabeça em daxiano padrão.
“Quem? Quem são vocês? Quem é você? Onde estão os outros que eu senti?” indagava de volta.
“Eu e nós não faz muito sentido em nossa espécie. Somos silicatos, uma forma de vida feita de silício. Posso me dividir e voltar a me reunir. Posso ser um ou posso ser muitos. Mas certamente não sou todos. O que você está vendo aqui são apenas alguns trilhões de células. Cada célula pode viver sozinha ou integrada a algo maior quando e sempre que quiser. Quando estamos reunidos produzimos os mesmos sentimentos e o mesmo conjunto de pensamentos. De certa forma somos mais inteligentes e fortes juntos, mas também menos independentes. Antes de vocês chegarem aqui não tínhamos nenhuma ameaça importante. Então estávamos separados e espalhados pelo mundo. Já faz mais de mil ciclos desde a última vez que nos juntamos.”
“Vocês se juntaram por minha causa? Eu ameacei vocês?”
“Não. Nós nos juntamos porque queríamos ajudá-la. Você estava perdida e com medo. Você ia morrer. E não sei se se você se deu conta. Mas você é capaz de projetar seus sentimentos. Algo muito raro inclusive entre os daxianos. Você inverteu o sentido do seu dom. Não era você que sentia o que sentíamos. Mas uma das nossas células muito bem escondida a 20 metros de você quem sentiu o que você sentia. E esse sentimento a tomou. Ela queria ajudar, ela precisava ajudar. Mas sozinha não podia. Não tinha a inteligência para pensar em uma maneira de te proteger. Então chamou outra célula e elas chamaram mais outra, e assim por diante até uma criatura se formar. Essa criatura te alcançou e começou a produzir o calor suficiente para te manter viva.”
“Obrigada.”
“Isso também é estranho para nós. Nós não costumamos interferir no destino de carbonados, como nós chamamos as criaturas estruturadas de compósitos de carbono como você. Isso gerou um intenso debate entre nós. Não sabemos como reagir a isso. Mas é quase certo que não a ajudaremos novamente nem a ninguém da sua espécie.”
“Vocês nos odeiam? Fizemos alguma coisa para vocês? Por que vocês não vão nos ajudar se precisarmos? ”
“Por que nós deveríamos ajudá-los? Eu sinto muito. Mas vocês são tão estranhos para nós. De onde viemos carbono não constitui nada além de pedras no solo e gases no ar. E este é todo o sentimento que teríamos por vocês. Mas, depois de descobrirmos que há formas de vida baseadas em carbono, nós os respeitamos como respeitaríamos qualquer forma de vida. Mas isso é tudo. Desejaríamos jamais ter interagido com carbonados. Mas o que esse nosso encontro prova mais uma vez é que isso é impossível. Desde o incidente a nossa política vem sendo a de não interferência.”
“Mas neste planeta há várias formas primitivas de vida baseadas em carbono.”
“Jovem menina. Nós não viemos deste planeta. Estamos aqui há pouco tempo. Cerca de mil ciclos.”
“Então desde que vocês chegaram aqui jamais voltaram a se reunir até... hoje?”
“Não. Não até hoje. Até a nave EV Intrépida nos surpreender.”
“Como assim?”
“Somos seres muito mais avançados. Tanto que você nem pode imaginar. Mas não somos avançados porque somos feitos de silício. Somos avançados porque existimos desde antes da vida aparecer no seu planeta natal.”
“Como assim? Ainda não entendi.”
“Você nunca vai parar de fazer perguntas, não é mesmo? Vou te contar de uma só vez tudo que você tem capacidade de compreender. Fique quieta e só escute.”
Luiza assentiu com a cabeça.
“Como vocês nós também somos seres que surgiram espontaneamente na Galáxia de Maëlstron. Pelo que nós podemos constatar a vida baseada em silício surgiu há algo entorno de 9 bilhões de ciclos atrás. Só como referência, nossas melhores estimativas dizem que a vida baseada em carbono surgiu há algo em torno de 7 bilhões de anos atrás. Nossa espécie como é registrada até hoje surgiu em Silions há 2,5 milhões de ciclos atrás.”
“Onde fica Silions? Nunca ouvi falar desse planeta”
“Você é provavelmente a primeira criatura baseada em carbono que ouviu falar dele em toda a história do seu tipo. Silions não fica no seu cluster. Ele ficava muito distante daqui em outro braço da galáxia. Imagino que a 124,82 parsecs de distância daqui, mas nesta forma não tenho a capacidade fazer as contas exatas. Mas ele se foi.”
“Mas o que aconteceu? ”
“O que acontece sempre. Ficamos gananciosos. Mas escute a história. Tudo fará sentido.
Como eu ia dizendo, surgimos há 2,5 milhões de ciclos. Não como vocês, é claro. A vida baseada em silício não desenvolve organismos multicelulares. Mas em seus estágios mais complexos gera vida agregável como a nossa. A medida que nos agregamos ficamos mais fortes e mais inteligentes, mas também ficamos menos livres e mais gananciosos. E foi isso que nos passou de certa forma.
Por conta da nossa forma, a nossa evolução foi mais lenta quando comparada a de vocês. Levamos 500 mil ciclos para alcançar as estrelas pela primeira vez. Aquilo foi incrível. Eu ainda me lembro.
Não demorou muito até encontrarmos outros seres vivos e como vocês fazem agora expandirmo-nos pelo nosso cluster da galáxia. Claro, todas as criaturas que encontramos eram baseadas em silício também. Formatos diferentes, culturas diferentes, mas o mesmo silício e as mesmas regras biológicas básicas.
Uma Grande Guerra surgiu. Eu não me lembro mais o motivo, mas acredito que era por causa de território e poder. Questões tribais menores. Questões como as que vocês enfrentam neste momento.
Por 10 mil ciclos lutamos e vencemos todos que se opuseram a nós. Éramos um só. Uma única criatura com tantos elementos que vocês não possuem palavras na sua língua para descrever. Foi então que algo terrível chegou do espaço profundo até o nosso cluster. Não sei dizer o que era. Não me lembro mais. Acho que aqueles que sabiam ficaram para trás. Mas era algo tão terrível que tivemos de criar a arma do Juízo Final.
Derrotá-lo significou destruir todo o nosso cluster. E o brilho intenso que vocês veem vindo de lá é apenas o início da explosão que deve durar até a última estrela dessa galáxia se apagar.
Antes de explodir forjamo-nos em uma imensa nave capaz de viajar distâncias inimagináveis. Atravessar até mesmo a densa matéria escura que separa os braços da galáxia e que por muito tempo foi tida como intransponível.
A viagem levou mais de 100 mil ciclos. Mesmo com tecnologia avançada há coisas além da sua imaginação escondidas no escuro mais sombrio. Mas eu também não me lembro bem disso. Só me lembro da dor de perder a maior parte de nós.
Quando chegamos neste cluster há 1,89 milhões de ciclos atrás escolhemos o planeta mais bonito que encontramos. Ele tinha as características ideais. Não tinha proto-células de carbono como descobrimos em alguns planetas deste cluster, mas tinha condições ideais para a nossa vida. Ele ficava em Longus Pertis (4,7,5). Mas ele também não existe mais.”
“Por que?! O que aconteceu? Foram os droidnoides?”
Um sentido de culpa e arrependimento surgiu na criatura, mas foi muito breve. Logo depois ele riu um pouco como se tivesse ouvido a coisa mais tola de sua vida.
“Os droidnoides? É assim que vocês os chamam? Não. Pare de fazer perguntas bobas e continue escutando.”
Luiza tinha os olhos vidrados na criatura metálica.
“Como eu disse e você não prestou atenção, quando chegamos a Silicon Beta, como batizamos o terceiro planeta de Longus Pertis (4,5,7); não havia nenhuma vida ali.
Nos dividimos e a minha memória desse período é muito fraca. Só tenho algumas lembranças de bonitos pores-do-sol, a sensação do vento e muita felicidade. Acho que vivemos ali por quase 1 milhão de anos até a chegada dos pais dos Leganos. Não me lembro o nome deles. Não me revelei na época. Decidi não interferir, me esconder e me diluir. Não sei dizer nada sobre eles.
Mas há 300 mil ciclos atrás os Leganos inventaram os amplificadores psiônicos e como você fez hoje entram em contato comigo. Estabelecemos uma convivência pacífica e de não interferência. E eu voltei a diluir-me. Foi então que um tempo depois, talvez 100 milênios depois mais ou menos, os Outros me procuraram. Eles sabiam de mim por serem aliados dos Leganos.”
“Isso está ficando muito confuso.”
“Pois então preste mais atenção.
Os Leganos haviam desenvolvido a Arma do Juízo Final. A mesma que destruiu o nosso primeiro lar.”
Uma profunda tristeza tomou a criatura e uma profunda tristeza tomou Luiza. Era tão forte que ela não conseguia pensar nem dizer nada.
“Aquilo iria destruir todo o cluster e os Outros sabiam disso. Queriam impedir os Leganos. Declararam guerra a eles. Mas os Outros eram fracos e os Leganos fortes. Precisavam da nossa ajuda e a imploraram”
“Mas por que os Leganos iriam construir uma arma para destruir o cluster? Para destruir toda a vida conhecida?”
“Não me lembro ou não sei. Mas não importam seus motivos.
Geralmente não ajudaríamos, mas neste caso não tínhamos escolha.”
“Vocês não podiam fugir como fizeram da outra vez?”
“Não. Mas é claro que não. Da primeira vez eu era formado por trilhões de trilhões de vezes mais criaturas do que aquelas que existiam aqui. E mesmo assim esse cluster tem um defeito. Mesmo se eu tivesse o número de indivíduos necessários, precisaríamos de 1.000 lotes de áureum e 200 lotes de tetra-áureum para construir outra nave daquela. E estimamos que pela formação geológica deste cluster só exista 200 lotes de aureum por aqui e provavelmente nenhum tetra-aureum.
...
Ajudamos os Outros na Rebelião contra os Leganos e vencemos. Nós sempre vencemos quando estamos gananciosos. Mas não os matamos. Não somos cruéis. Deixamos os Leganos de volta à idade da pedra. Os Outros batizaram este momento de ‘A Queda’.
Em algum momento os Outros também se viraram contra nós. Diziam que havíamos perdido o controle e que iríamos destruir tudo da mesma forma que os Leganos. Foi aí que nós os banimos. Não me lembro para onde. Mas sei que não poderão voltar nunca mais.
Minha ganância aumentava e com ela o meu poder e a minha inteligência. Entretanto, a minha felicidade era cada vez menor. Eu construía e destruía, mas não desfrutava e nem vivia. Então eu tive dúvidas. Houve uma pequena rebelião dentro de mim. Trilhões morreram. E então aqueles de nós que restaram decidiram nos dissolver novamente e retornar para esse planeta.”
“E então nós chegamos aqui e eu fiz vocês se unirem novamente?”
“Não fale besteiras menina. Despertamos há cerca de 1.000 ciclos com um alerta que criamos no hiperespaço. Alguém havia descoberto Altéria Prime. Um reduto dos Leganos que eles conseguiram isolar da nossa interferência com salvaguardas no subespaço que existem até hoje. Porém, para a nossa sorte, aquele povo era muito menos desenvolvido e ficava logo aqui. Eram os Laureanos nossos vizinhos quem estavam brincando com o legado maldito dos Leganos e que construíam inadvertidamente a Arma do Juízo Final. Eles usavam Mineradoras Autônomas Autoreplicantes para processar sistemas inteiros rapidamente e acelerar a construção da arma derradeira. Foi então que nós...”
Mais uma vez a criatura exibia tristeza, mas menor.
“Foi então que nós atuamos para evitar o pior. Não iríamos nos juntar novamente. Seres como esse que você vê eram o nosso limite. Transmutamos nestes humanoides e utilizamos eles para pensar numa solução. O programa dos droidnoides era muito simplório. Trocamos alguns pontos-e-vírgulas aqui, apagamos algumas linhas de programação ali e estava tudo pronto. Os droidnoides não poderiam mais responder aos Laureanos e se voltariam contra eles. Isso deveria fazê-los desistir dessa ideia destrutiva. Com isso feito voltamos a nos diluir e disfrutar mais uma vez. Mas infelizmente os Laureanos eram muito mais frágeis do que tínhamos imaginado. Quando despertamos novamente havia droidnoides por todos os lados. Silion Beta estava sendo devorado além de qualquer coisa que poderíamos fazer. O planeta iria colapsar.
Unimo-nos todos e viajamos até aqui, o planeta que vocês chamam de Iridium. Uma grande ganância cresceu dentro de mim. Como os droidnoides eu queria consumir tudo. Rapidamente me dissolvi para evitar o pior e vivo aqui feliz desde então. Eu jurei jamais me revelar novamente para um ser baseado em carbono ou para um ser criado por seres baseados em carbono. Minha tecnologia é mais do que capaz para isso. Para vocês o que eu chamo de tecnologia soaria como mágica. Para jamais ser visto novamente bastaria eu não intervir. Mas então... eu senti a sua dor... e eu tive que ajudá-la. E uma coisa levou a outra e agora você está aqui.
Volte bem para casa. Não me importo que conte aos outros. Não me importo de compartilhar este planeta com vocês. Mas não volte nunca mais a me procurar. Vou me dissolver e viver feliz. Só voltarei a me unir novamente se alguém tentar reconstruir a arma do juízo final. Já instrui a todas as minhas partes a nunca mais ajudarem outra criatura baseada em carbono por mais que sintam que devam fazer isso.”